quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A Gripe Como Ela É

A mídia alavanca uma vez mais a “crise de extinção da raça humana” em nome da suposta periculosidade de uma nova gripe. E por mais que soe ridículo, o porco é o bode expiatório da vez.

Já sabemos, de acordo com as últimas tendências dos modismos gripais que nos assolaram, que frango, porco ou qualquer outro animal nada podem fazer contra a mídia que lhes impinge culpa ou o mercado que lhes exclui dos frigoríficos, sendo que os coitados não passam de carne saudável destratada e esquecida pelos consumidores ignorantes de que aqueles, na panela, não transmitem doença alguma.

Grupo de risco é a palavra de (des)ordem no vocabulário dos âncoras, mundo afora. Nele se inserem crianças, idosos, gestantes, obesos e outros tantos mais facilmente passíveis de contágio pela dita cuja. Gente outrora de nariz empinado, agora cobertos por máscaras, receosos de uma pandemia incontrolável por um sistema de saúde pública incapaz de lidar com a “crise”, mas pandemia esta que se supõe controlável por remédios absurdamente caros cedidos por uma generosa multinacional farmacêutica, a “heroína” a lucrar nisso tudo.

E o que eu posso fazer? Absolutamente nada. Lavo minhas mãos. É o que os noticiários sugerem.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Pequenos Problemas Incorrigíveis

O pequeno queria porque queria saciar-se com os doces. Os pais, que insistem vez por outra em portarem-se como tais, não os permitiam na casa, muito menos na boca do pequeno.


O pequeno resolveu aproveitar-se do descuido da empregada – essas tais que os pais pagam pra fazer as vezes de pais que não se portam como tais – que estava a lavar louças (a empregada, não o pequeno, pra quem perdeu a linha de raciocínio). Meteu-se a procurar doces casa adentro – o pequeno, não a empregada.


Achou umas balinhas azuis na gaveta do criado-mudo do papai. Achou umas balinhas brancas no armário de remédios da mamãe. Achou umas balinhas coloridas debaixo do colchão do irmãozão.


Acharam o pequeno apontando para o alto (e não era com o dedo, meus amigos), quase desacordado e em transe. Demitiram a empregada, acusada de desleixo e irresponsabilidade, porque pais não se podem demitir assim por qualquer bobagem.


As balinhas? Continuam sendo usadas pelos outros membros da família. O pequeno continua proibido, pois as balas lhe fazem mal. Dão cáries, esse tipo de coisa...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Desprazer

Ele sentiu fome. Um apetite voraz, daqueles de retirante sertanejo em pleno êxodo num pau-de-arara. Uma fome incomum – daquelas que fazem descrer ao assistente social lecionando planejamento familiar.


Nessa insaciável necessidade de devorar o que lhe atravessasse o caminho, sua mente abrigou um pensamento febril, indiferente aos preceitos dos mais moralistas, estes tantos hipócritas idealistas que nos surgem apenas para criticar. Não era de sua índole, embora antes que pensasse, já agia com um despudor rarefeito, esganiçado, puto da vida e com a vida que tanto lhe maltratara.


Vida da qual ela mal sabia o significado, analfabeta de parteira que era. Da volúpia mundana, da luxúria pecaminosa, de tudo que poderia um dia ser prazeroso lhe foram impostas apenas as amargas dores.


Estava preenchida com todo aquele suor repugnante, exalado por criatura idem. Para sua sorte, caso se possa assim supor por falta de palavra mais adequada cabível no vocabulário deste desalmado escrevedor, o tal voluptuoso faminto, apesar de muito bem prendado, sofreu de grave inaptidão momentânea, imprescindível para a consecução de seu objetivo.


Para seu azar, uma vez mais aqui perdoado pela pobreza criativa deste que vos fala, o tal devorador saciou sua gula, ou talvez seu orgulho, com o tradicional desfecho de assassinato digno de uma tragédia teatral. Ou provavelmente digna apenas do pouco gênio inventivo do escritor.


Concluído o ato, os demais figurantes continuaram com seus afazeres, perversões e orgias. O cotidiano do cabaré não mudaria por culpa de qualquer puta morta.