quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

As dores do mundo

Dolores sempre foi mulher de vida amargurada. Não por dádiva do cartório, sofria no plural. Modéstia à parte, nisto tinha um dom inato, amadurecido ao longo de anos que não lhe renderam maturidade. Representava às lágrimas o que houvesse a lamentar, nem que para tanto fosse necessário muito imaginar.

Sozinha, pegou a lembrar momentos que julgava felizes. Algumas recordações do único amor afloravam. Era tão delicado, inclusive na cama. No sofá, na cozinha, na varanda, no elevador... Transcorrera tudo muito bem, intenso, quente e úmido.

Mas de tanto chover no molhado, o amado começou a passar horas na piscina. Com os dedos enrugados, fingia-se velho. Ela chegava a achar graça do piadista fracassado. Dali a pouco ele não precisava mais piscina nem fingir, precisava de horas. Sumia de casa aos poucos, até que escafedeu-se com aquele apaixonante professor de natação. A última notícia que teve foi de que falecera vítima de ataque cardíaco. Amou todo aquele que morre do coração, refletiu.

Dolores nunca foi mulher de fazer justiça. Naquele momento, arrebatou-lha uma súbita sensação há muito esquecida e aproveitou para prestar uma derradeira homenagem solitária àquele. Cessados os espasmos musculares, 'empilulizou-se' com tudo quanto havia no armário de remédios.

Recostada à parede ao pé do chuveiro, na qual tantas vezes disfarçara lágrimas, quedou sonolenta. Algumas horas depois, ainda sozinha, mas com uma baita dor nas costas, acordou a tempo de ver a teledramaturgia. Sentiu pena da mocinha. Era de dar dó a vida daquela coitada, que respirava em função do amor por um homem que a abandonara. Chorou. Nada mais havia a fazer antes de dormir e recomeçar um novo dia, com novas agruras a lastimar.