sexta-feira, 25 de julho de 2008

Prévia Auto-Biografia Caricata de um Ilustre Desconhecido

Com duas faculdades, desempregado, alcoólatra e pai de família, finalmente descobriu-se com talento em algo: tornou-se mendigo profissional. Não sabia se pela sua cara de pobre (gostava de se dizer “pobre de feição”) ou por suas vestes maltrapilhas, mas os que lhe viam, de pronto concediam algumas moedas.

Lábia não a tinha. Ao menos não com a maestria dos professores, palestrantes, políticos, galanteadores e outros profissionais respeitáveis (ou pouco respeitáveis) por sua eloqüência. Contava-lhes aquilo que precisavam ouvir para ter vergonha de conviver no mesmo mundo em que aquela escória, onde aquele farrapo humano ousava sobreviver.

Seus temas iam desde doenças e desemprego a problemas familiares passíveis de receber algum crédito e alguns trocados. Perdeu o apego pela verdade – ou descobriu-a tão volúvel quanto o amor de uma mulher.

Fundou uma escola de mendicância. Em demonstração de altruísmo – e cobrando uma mensalidade básica – ensinou aos seus semelhantes o caminho da vitória, de como obter sucesso naquele mercado de trabalho tão concorrido, onde as esquinas transbordam profissionais pouco qualificados. Lecionou técnicas de persuasão, tragédias familiares, doenças atípicas, vestuário básico e até preveniu sobre a rotatividade do local de trabalho.

Escreveu um livro (sob o título “Se Nada Der Certo Viro Mendigo”) mesclando memórias e auto-ajuda empresarial, pois percebeu tratar-se da simples transferência para o papel da atividade oral que já exercia cotidianamente.

Era um predestinado. Ao menos, via-se assim ao decidir fundar uma igreja. Saiu do lado passivo, dos que imploravam por misericórdia, para o ativo, dos que concediam a salvação – e igualmente recebendo seus trocados. Da assim denominada “Congregação do Divino Desapego Material” ironicamente adquiriu um acervo de peças metálicas de alto valor pecuniário, das quais se serviu para entrar na política.

Com o rebanho que formou, elegeu-se vereador (e posteriormente deputado) sob o slogan de “pai dos pobres” – que a santa publicidade seja louvada.

Em defesa dos excluídos da sociedade capitalista, criou programas de assistência à classe sem-teto, como o “Viaduto Pró-Mendigo” e lutou ferozmente pela promulgação da “Lei do Trocado Mínimo”, segundo ele uma “tentativa de inclusão social visando à diminuição da concentração de renda” – e extraindo para si mais alguns “trocados”.

Findou seus dias em terras além-mar, nalguma ilha particular, e seu nome entrou para os anais (!) da história como um dos mais éticos políticos já existentes, sendo até hoje considerado um mártir, símbolo da luta contra a desigualdade social, exemplo de ser humano.

“Vivi, estudei, amei, e até cri / E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu”.

(Fragmento de "A Tabacaria", Álvaro de Campos (Fernando Pessoa))

quinta-feira, 10 de julho de 2008

"Tricolor só tem um"

"O Fluminense é o melhor time do mundo. E se me disserem que os fatos mostram o contrário, eu vos digo: pior para os fatos.", Nelson Rodrigues.
"Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar", Jules Rimet.

Publicado em http://blogenfoques.blogspot.com/
, 3 de Julho de 2008

(Republicado aqui por falta de tempo e criatividade, excesso de farras e gastos)

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"...O resto é time de três cores". Nelson Rodrigues, tricolor ilustre.

Incompreensível ou não, mas minha necessidade de auto-flagelação me incita a descrever a magnífica vitória-derrotada que a pouco presenciei (ao vivo... pela tevê).

Uma final épica com um final trágico.
Nunca imaginei que um simples jogo me pudesse comover como a um animal irracional como nos momentos que compartilhei com os 11 indivíduos que corriam atrás de uma esfera sob o olhar atento dos 80 mil presentes e dos tantos ausentes.
Não sei que motivos me levam a torcer. Simplesmente torço, vibro, grito, canto - e bebo.

Uma partida que entrará para os anais (ou com outra morfologia menos sensata) da história futebolística. Uma vitória que teve o desprazer de amargurar uma derrota histórica. Um camisa 10 que consagrou-se emplacando 3 gols numa final e desperdiçou seu pênalti.

E se não fossem os 11 marmanjos que se prostituíram aceitando 4 bolas dentro, num único e ridículo tempo de jogo;
E se não fossem o primeiro gol no primeiro minuto do primeiro jogo e nos primeiros minutos do segundo jogo;
E se não fossem a altitude do primeiro jogo, o árbitro do segundo jogo e a falta de atitude nas penalidades;
E se aquele time não tivesse derrubado mitos, lendas e tabus e calado tanta Boca...
... A decepção teria sido menor ou maior?
Foi apenas mais uma decepção num esporte tão cheio de fatores extrínsecos.

No gran finale, Palermo, o famoso pelas 3 penalidades desperdiçadas num único jogo, deu seu toque de inspiração aos nossos craques.
Essa foi minha vergonha, misturada ao orgulho de ver caras que não conheço, nem nunca conhecerei, em lágrimas por uma equipe da qual tiveram orgulho de participar, numa demonstração de "amor à camisa" nunca antes visto por minha pessoa.
Num mundo cada vez mais apegado ao capital, provavelmente eles estavam chorando pela grana que iriam receber caso vencessem a tal Libertadores. Prefiro acreditar no meu lado ingênuo e convencer-me do prazer que tiveram em estar presentes num momento sublime da saga daquele conjunto; que o mundo não está tão perdido e vendido como sempre supus.

Força, Flu. Rumo à Segundona ou à próxima Libertadores, estarei aqui, pelas três cores que traduzem tradição.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

"Sentimental"

Mulheres têm sentimentos. Mulheres exibem seus sentimentos. Mulheres falam sobre sentimentos.
Homens não falam sobre sentimentos. Homens fingem que não têm sentimentos. Isso não quer dizer que não os tenham.

Falo com a autoridade de quem, do alto do poço de sua maturidade, sofre do mesmo mal.
Males que vêm da infância. Nunca ousei reclamar, xingar, lamuriar ou exibir meus dotes sentimentais; nem em casa, nem na escola, nem com pais, amigos, etc.
Quando criança meu esconderijo secreto atrás do sofá era facilmente descoberto e a angústia precisava ser interrompida.
Tive que aprender uma nova técnica. Era-me conveniente entrar no banheiro, enquanto minhas lágrimas confundiam-se com as do chuveiro.

Não que eu tivesse uma infância sofrida. Nunca passei fome, nunca tive que trabalhar, nunca sequer me deram umas boas e merecidas surras. Passei por diversas casas, com gente diversa e amigos diversos em cidades diversas, mas o velho hábito não mudou e a velha armadura sempre se fez presente.
Talvez brincar de boneca e casinha sejam as soluções encontradas pelos pais para tornarem as mulheres prodigiosas artífices do sentimento. Os carrinhos com os quais brinquei não tinham muito sentimento infiltrado em seus motores.

Esconder-se talvez seja a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.