terça-feira, 7 de outubro de 2008

A dor e o dono da dor

Durante toda uma existência, subsistia-lhe perversamente o mesmo sofrimento. Eram dores dilacerantes, que rasgavam-lhe a carne tal qual o estuprador à sua vítima corrompe o ventre.


As chagas doíam-lhe profundamente. Impediam-no de realizar feitos atléticos, de praticar atividades intensas, demasiadamente caras à sua saúde frágil. Por quase tudo o que não podia realizar, como que para apaziguar sua própria incompetência, praguejava inutilmente, com certo desdém, um sem fim de impropérios contra o próprio corpo. Corpo hospedeiro de uma infinidade de moléstias; corpo inóspito para um coração arredio.


Merecidamente o nomearam com o pseudônimo de “profundissimamente hipocondríaco”. Não o era, mas a melancolia caía-lhe bem. De fato, exagerava aqueles sentidos. Expurgava tão intensamente aquela angústia que o pretenso temor de que lhe sobreviesse uma possível sensação de dor, já lhe era bastante dolorido.


Não conheceu o amor. Acreditava que as tais dores não o permitiam amar e travestia a mortalha do penitente celibatário. As aflições lhe eram mais intensas que qualquer paixão, mais ardentes que qualquer meretriz, mais puras e deleitáveis que qualquer donzela. O bastardo tinha uma alma tão podre que nenhuma luz vermelha, em pleno funcionamento, o aceitaria de bom grado.


Tantas vidas passam pelo mundo e ele acabou passando despercebido pela vida. Vida descartável, voltada para uma pesarosa auto-flagelação da qual se utilizava para rogar pela piedade alheia, carente de afeto que sempre foi.


Por fim, resolveu consultar um médico. O diagnóstico: unha encravada.


P.S.: Baseado numa vida vivida.

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