segunda-feira, 15 de junho de 2009

Primeiro Amor

Ela era bela. Não que meu padrão de qualidade fosse uma tal beleza incomparável, mas que para minha inocente visão apaixonada, era bela sim. Não tinha formas de musa inspiradora, mas tinha aquele necessário ar de musa ao meu olhar. Minha visão talvez estivesse turva pela paixonite infantil, mas eu me achava o Quasimodo trôpego que nunca a obteria, intocável que ela era pela timidez do contato espacial diário resumido à sala de aula.


A beleza dela estava apenas em meus olhos, o que não me foi tão óbvio assim. E que o padrão do belo esculpido ao longo dos anos pelas discriminações de amigos, sorrisos indiscretos, tapinhas nas costas e estereótipos curvilíneos me envergonha, isso é fato. Mas que ela tinha aquela aura que chamou a atenção como nenhuma outra, isso tinha.


Talvez pelo inatingível que fosse aquele amor, que eu nem sabia amor e que nem o sei ‘inda hoje, eu tremesse de paixão a qualquer sinal de proximidade. Prefiro pensar que talvez fosse porque ela tinha lindos cabelos esvoaçantes e sujos quando descia o escorregador e tinha perninhas tortas cheias de feridas de criança irrequieta e um andar de pinguim desengonçado provocado pelas perninhas tortas.


Queria ter de volta aquele apego à feiúra que a tornava bela. Queria ter de volta o amor às banalidades que fazem da mulher um ser amável. Queria não ter sofrido as mutações que os sorrisos de desaprovação me provocaram. E como eu queria poder reviver novamente aquela pequena paixão platônica pra poder dizê-la que de mim não fugisse. E pediria que ela me ensinasse como voltar a ser a criança apaixonada e apaixonável e destronasse o adulto imaturo dos falsos moralismos.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Há de chegar meu dia



Um dia serei eu a recordar os tempos áureos, a chorar qualquer saudade de uma lembrança há muito guardada.

Um dia serei eu a ingerir qualquer etílico nobre que me faça rir e chorar sem razão aparente, cercado daqueles que me amaram por toda uma vida.

Um dia serei eu a lamuriar a falta de saúde, a resmungar da comida que não apetece, a fazer uma falsa raiva a quem me cuida, apenas por travessura que a idade me vai permitir.

Um dia serei eu a querer o egoísmo de desistir, sem me permitir pensar nas vontades e necessidades alheias que tanto me aborrecem.

Um dia serei eu o que só fez o bem, o que só teve virtudes, o que vai deixar saudades eternas. Serei eu a ir-me embora e a fazer sofrer os que aqui ficarem.

Um dia serei eu o que representava tudo para alguém.
Alguém que não sabe se pode suportar o peso da vida sem aquela presença.