Ela era bela. Não que meu padrão de qualidade fosse uma tal beleza incomparável, mas que para minha inocente visão apaixonada, era bela sim. Não tinha formas de musa inspiradora, mas tinha aquele necessário ar de musa ao meu olhar. Minha visão talvez estivesse turva pela paixonite infantil, mas eu me achava o Quasimodo trôpego que nunca a obteria, intocável que ela era pela timidez do contato espacial diário resumido à sala de aula.
A beleza dela estava apenas em meus olhos, o que não me foi tão óbvio assim. E que o padrão do belo esculpido ao longo dos anos pelas discriminações de amigos, sorrisos indiscretos, tapinhas nas costas e estereótipos curvilíneos me envergonha, isso é fato. Mas que ela tinha aquela aura que chamou a atenção como nenhuma outra, isso tinha.
Talvez pelo inatingível que fosse aquele amor, que eu nem sabia amor e que nem o sei ‘inda hoje, eu tremesse de paixão a qualquer sinal de proximidade. Prefiro pensar que talvez fosse porque ela tinha lindos cabelos esvoaçantes e sujos quando descia o escorregador e tinha perninhas tortas cheias de feridas de criança irrequieta e um andar de pinguim desengonçado provocado pelas perninhas tortas.
Queria ter de volta aquele apego à feiúra que a tornava bela. Queria ter de volta o amor às banalidades que fazem da mulher um ser amável. Queria não ter sofrido as mutações que os sorrisos de desaprovação me provocaram. E como eu queria poder reviver novamente aquela pequena paixão platônica pra poder dizê-la que de mim não fugisse. E pediria que ela me ensinasse como voltar a ser a criança apaixonada e apaixonável e destronasse o adulto imaturo dos falsos moralismos.