Lábia não a tinha. Ao menos não com a maestria dos professores, palestrantes, políticos, galanteadores e outros profissionais respeitáveis (ou pouco respeitáveis) por sua eloqüência. Contava-lhes aquilo que precisavam ouvir para ter vergonha de conviver no mesmo mundo em que aquela escória, onde aquele farrapo humano ousava sobreviver.
Seus temas iam desde doenças e desemprego a problemas familiares passíveis de receber algum crédito e alguns trocados. Perdeu o apego pela verdade – ou descobriu-a tão volúvel quanto o amor de uma mulher.
Fundou uma escola de mendicância. Em demonstração de altruísmo – e cobrando uma mensalidade básica – ensinou aos seus semelhantes o caminho da vitória, de como obter sucesso naquele mercado de trabalho tão concorrido, onde as esquinas transbordam profissionais pouco qualificados. Lecionou técnicas de persuasão, tragédias familiares, doenças atípicas, vestuário básico e até preveniu sobre a rotatividade do local de trabalho.
Escreveu um livro (sob o título “Se Nada Der Certo Viro Mendigo”) mesclando memórias e auto-ajuda empresarial, pois percebeu tratar-se da simples transferência para o papel da atividade oral que já exercia cotidianamente.
Era um predestinado. Ao menos, via-se assim ao decidir fundar uma igreja. Saiu do lado passivo, dos que imploravam por misericórdia, para o ativo, dos que concediam a salvação – e igualmente recebendo seus trocados. Da assim denominada “Congregação do Divino Desapego Material” ironicamente adquiriu um acervo de peças metálicas de alto valor pecuniário, das quais se serviu para entrar na política.
Com o rebanho que formou, elegeu-se vereador (e posteriormente deputado) sob o slogan de “pai dos pobres” – que a santa publicidade seja louvada.
Em defesa dos excluídos da sociedade capitalista, criou programas de assistência à classe sem-teto, como o “Viaduto Pró-Mendigo” e lutou ferozmente pela promulgação da “Lei do Trocado Mínimo”, segundo ele uma “tentativa de inclusão social visando à diminuição da concentração de renda” – e extraindo para si mais alguns “trocados”.
Findou seus dias em terras além-mar, nalguma ilha particular, e seu nome entrou para os anais (!) da história como um dos mais éticos políticos já existentes, sendo até hoje considerado um mártir, símbolo da luta contra a desigualdade social, exemplo de ser humano.
“Vivi, estudei, amei, e até cri / E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu”.
(Fragmento de "A Tabacaria", Álvaro de Campos (Fernando Pessoa))
3 comentários:
hey, bicho, gostei demais desse título! hehehehe
xD
Caba véi!
Muito bacana o Blog e seus textos estão excelentes. Você vai longe, seja como blogueiro, causídico, comunicólogo (ô, nome feio! Prefiro jornalista mesmo!), violeiro, cantador ou mesmo boêmio (como se autodenomia).
É só se dedicar. Quer dizer, menos à boêmia, né?
Parabéns e obrigado por indicar meu blog nos seus links.
Bj.
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