Não nasceu em manjedoura e não ressuscitou
no terceiro dia, não ditou mandamentos sagrados, não atingiu o nirvana ou
sequer guiou seu povo à terra prometida. Contudo, não se sabe muito bem se filha de
Graham Bell ou obra do engenheiro para preencher a lacuna numa sequência de 12
botões do telefone, aquelas curtas quatro linhas retas entrecruzadas nunca
antes na história da humanidade tiveram tanta utilidade, ao unir desiguais dentro da mesma inutilidade.
Em geral, dura mais que um orgasmo e menos
que uma manchete de jornal. O nome dela é "hashtag" e parece atingir uma
unanimidade pública que os líderes anteriores não conquistaram. Do macaco ao
veado, do que não merece ser estuprado ao que é representado por um deputado
midiático qualquer, do "kkk" ao "rsrs", do que vai à rua ao que só senta o bumbum
na cadeira do computador, há no mundo uma variedade de pitaqueiros com opiniões
radicalmente divergentes, unidos sob um só símbolo, debatendo assuntos que
prometem evoluir o mundo via um criacionismo frasal invencionista que beira a
futilidade.
A cada dia, um zilhão (minha pobre
matemática básica me educou que esse é o número máximo existente ("culpa do Governo do PT! É esse o Brasil que
quer sediar a copa?", dirão)) de #ativistasdebumbumnacadeira debatem suas ideias sedentárias nestes novos
modelos de fóruns digitais, congressos virtuais que abrigam solitários
baluartes e mártires intelectuais das causas sociais. Estes são, para aqueles, os espaços apropriados para "sem sair só sofá, deixar a Ferrari pra trás"
- apenas para concluir a sequência de rimas.
A bola da vez é o animalzinho. Como diria o
poeta Marcelo Rossi, eles sobem na linha do tempo dos ativistas, sempre de dois
em dois. Com os rótulos #somostodos, os humanos debatem se os macacos ou veados
têm o pior ou melhor preconceito, de cor da pele e ou de orientação sexual. Quero aqui registrar apenas um deprimente comentário que, neste caso específico, o
#somostodosveados provavelmente perderá em número de publicações, pois nossa amável educação
brasileira deixou em aberto o acordo ortográfico oficioso que determina a
diferença entre o "veado" e o "viado".
Se o fanatismo religioso é excludente, o
fanatismo "hashtagueiro" (?) é inclusivo ao extremo. E a desunião faz sua força. Todos os diversos pontos de vista sob uma só bandeira. Digam o que
quiserem, mas usem a mesma frase, para que o tópico não saia da pauta. Ao
#ativistadebumbumnacadeira pouco importa se Martin Luther King Jr. morreu
porque sonhou o fim da segregação racial, se Maria da Penha em sua cadeira
de rodas luta contra a violência doméstica, se Milk conquistou direitos homossexuais com malabarismos políticos. Ele só quer tornar pública sua opinião de como tornar o mundo um lugar
melhor, de uma maneira que, se possível, não precise mover o bumbum para tanto.
Mas hashtags não mudam o mundo. E cada qual no seu canto, em cada canto uma
dor, depois que a hashtag passar...
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