sexta-feira, 3 de abril de 2009

"Como um desejo de eu viver sem me notar"


Tá vendo essa vergonha, seu moço? É por ter que pedir e ter sempre negado. Tá vendo esse rosto sujo, essa roupa maltrapilha? É coisa do descaso de quem não cria caso com qualquer coisa. Tá vendo essas mãos calejadas? É de não achar trabalho aceitável, mas conseguir achar lixo comestível.


E o moço, com vergonha da origem nobre e da falta de nobreza de caráter; com vergonha do pesar de lágrimas contidas e apesar de saber-se afortunado; com vergonha das mãos delicadas que nunca trabalharam e das mãos que escreveriam o que o outro não seria capaz de ler, ficou ali parado diante daquele velho.


Velho olhar cansado. Olhar de fome e medo, misturado à apatia da rotina que o consumia, do habitual asco dos limpos e apressados que por lá passavam, de lá olhavam e lá mesmo rejeitavam.


O moço cedeu-lhe umas poucas moedas que trazia consigo, nada mais. Recebeu um agradecimento padrão, nada mais.


E o sinal abriu.

E a vida prosseguiu.

E as noites de insônia se intensificaram.

Um comentário:

Lua Clara disse...

yeah, tbm adorei
acho q tô virando tua paga-pau oficial, fazer o que, todos os teus textos ficam bons...
O tema abordado nessa ultima postagem sua chama minha atenção.